domingo, 21 de julho de 2013

Uma década sem Sabotage, talento resgatado de uma boca de fumo



“Essa talvez seja a maior falta que ele faz, por ter pensado muito em fazer coisas diferentes e não ter tido tempo suficiente para realizar. A música nacional foi quem mais perdeu.”
Por: Jorge Américo e José Francisco Neto

Oportunidade de gravar CD foi decisiva para que Maurinho se tornasse um dos rappers mais conhecidos do Brasil. Moradores da Favela do Canão ainda não superaram a perda, e o engrandecem como artista e como pessoa.
Chegou lá e falou pra nós que estava ‘descabelado’. Ele tava armado e com uma pilha de papel de droga em cima.”
A descrição parece cena de um dos inúmeros filmes brasileiros que retratam o tráfico, mas o protagonista é um personagem da vida real: Mauro Mateus dos Santos, que em pouco tempo ficaria nacionalmente conhecido como Sabotage.
Parecia impossível, mas os rappers Rappin Hood e Sandrão foram até o ponto de venda de droga (“boca”) determinados a apresentar uma alternativa ao jovem, como narra o próprio Hood.

“Nós viemos te buscar. Você tem que largar esse bagulho, tio. Você vai com nós, irmão. Aí ele perguntou: ‘você está falando sério?’ eu disse que era isso mesmo! Nós vamos fazer uma corrida pra você gravar um CD. Aí mandou chamar o patrão, que enquadrou nós ainda. ‘Você vão levar o menino, mas e se um dia ele voltar aqui? Não vou dar trabalho pra ele, não! Aí a gente falou que ele não ia voltar. E o restante da história todo mundo conhece. Sabotage virou um dos maiores ícones do rap.”
Considerado uma lenda no movimento Hip Hop, Sabotage começou a carreira em 1998, fazendo parcerias com o grupo RZO (Rapaziada da Zona Oeste). A partir daí, com estilo próprio de cantar e criatividade nas composições, o músico disparou até chegar às telas do cinema nacional. Participou do filme “O Invasor” (2001), de Beto Brant, e também de “Estação Carandiru” (2003), de Hector Babenco.

Sabotage ganhou, no final de 2002, o Prêmio Hutus como revelação do ano e personalidade do movimento Hip Hop. No entanto, a ascensão meteórica foi interrompida por quatro disparos à queima-roupa há dez anos. Wanderson Rocha, o Sabotinha, de 20 anos, filho mais velho do cantor, lembra daquele dia como se fosse hoje.
“Eu lembro até hoje o que o repórter falou na televisão: ‘Mauro Mateus dos Santos, conhecido como Sabotage, foi assassinado hoje por volta das seis da manhã.’”
Na data em que sofreu o atentado, Sabotage viajaria para Porto Alegre (RS), onde, no dia seguinte, seria atração surpresa em uma das atividades do Fórum Social Mundial. Coincidência ou não, no dia 25 de janeiro, em meio aos anseios dos povos por transformações estruturais na sociedade.
Maestro do Canão.

Chamado Maestro do Canão, Sabotage colecionou afetos no lugar onde cresceu. Com a força de sua música, fez a pequena comunidade onde vivem 18 famílias ser quase tão conhecida quanto a Favela da Rocinha, com seus 70 mil habitantes.
Passados 10 anos da trágica morte, moradores da Favela do Canão ainda não superaram a perda de Maurinho. São inúmeros os relatos que o engrandecem como artista e como pessoa.
“Ele era extrovertido. Gostava muito de cantar.”
“Maurinho foi do nada. O sonho dele foi realizado. Quando ele fez sucesso, ficou no auge mesmo, a gente perdeu ele”
“Acho que nunca mais vai ter um ídolo daquele na comunidade que nem ele não vai ter mais não. As crianças hoje em dia levam como exemplo as músicas dele. A gente também mudou bastante. A gente leva o que ele deixou no coração como exemplo, e vamos passando para as nossas crianças. Eu vi ele escrevendo ‘Respeito é pra quem tem’. Nossa, Maurinho era foda. Até arrepia.”
Versatilidade

O cabelo espetado – inspirado no rapper americano Coolie –, o flow (estilo melódico) peculiar, a paquera com o cinema e o linguajar típico da malandragem transformaram Sabotage em uma personalidade insubstituível no rap. Mas o que mais chamou atenção em seu trabalho foi a versatilidade e a capacidade de dialogar com outros ritmos musicais.
Tais qualidades são destacadas pelo documentarista Ivan Vale Ferreira, que vem trabalhando no documentário “Sabotage, o maestro do Canão”, que retrata a vida e carreira do rapper.

Ferreira compara a morte de Sabotage com a de renomados artistas. Para ele, Maurinho, como era conhecido entre os amigos, tinha muito a doar para a música brasileira.

“Pra mim é como se ele fosse Cássia Eller, Chico Science, pessoas que morreram no auge da carreira. Essa talvez seja a maior falta que ele faz, por ter pensado muito em fazer coisas diferentes e não ter tido tempo suficiente para realizar. A música nacional foi quem mais perdeu.”


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